quarta-feira, 30 de março de 2011

Visita de Obama

Visita de Obama é chance para destravar negociações Brasil-EUA

Algodão, laranja e etanol são temas que seguem sem consenso.
Indústria brasileira reivindica correção do déficit da balança comercial.

Darlan Alvarenga Do G1, em São Paulo
 
 
A visita de Obama é vista como uma oportunidade de avanços no comércio entre Brasil e Estados Unidos. Embora não exista nenhuma sinalização por parte do governo norte-americano de compromisso em relação a reivindicações como redução de tarifas, retirada de medidas antidumping e fim de subsídios no setor agrícola, o encontro com a presidente Dilma Rousseff, com a esperada assinatura de acordos bilaterais, marca uma nova etapa no relacionamento entre os dois países.
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“A visita por si só demonstra um desejo de reaproximação, sobretudo em termos políticos, uma vez que Obama não escondeu que não gostou da posição brasileira em temas como Irã e Honduras”, afirma Mario Antonio Marconini, presidente do conselho de relações internacionais da Fecomercio-SP.
Para Eduardo Fonseca, diretor de relações governamentais da Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos (Ancham), ainda que a visita se restrinja a memorandos de entendimento, serão abertos caminhos para uma agenda concreta de negociações comerciais. “O Brasil é o único país entre as dez maiores economias que não tem nenhum tipo de acordo formal com os Estados Unidos nas áreas de comércio, investimento e tributos. Portanto, a agenda para avanço é muito grande.”
Obama desembarca em Brasília no próximo sábado (19), acompanhado pela primeira-dama, Michelle, e pelas filhas Sasha e Malia, além de uma comitiva que deve reunir cerca de mil pessoas. Em sua primeira viagem oficial ao Brasil, Obama participará de almoço no Itamaraty e de jantar no Palácio da Alvorada. No domingo, no Rio, visita uma Unidade de Polícia Pacificadora em uma comunidade e discursa em público na Cinelândia, no Centro da cidade.
A pauta oficial do encontro entre Obama e Dilma ainda não foi divulgada. De acordo com o Itamaraty, o Brasil negocia acordos nas áreas de comércio, investimentos, energia, defesa, ciência e tecnologia, inovação, cooperação espacial, educação, cultura e combate à discriminação racial. Os textos dos tratados, porém, ainda não foram fechados.
comércio Brasil-EUA (Foto: Editoria de Arte/G1)
Dentre os temas na mesa, o comércio se destaca como o que mais provoca disputas entre os dois países. Apesar das últimas vitórias contra os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), como no caso do algodão, do suco de laranja e de produtos siderúrgicos, o Brasil continua enfrentando diversas barreiras para colocar seus produtos no mercado norte-americano, sobretudo os de origem agrícola. Exportações de carne bovina, suína e frango “in natura”, por exemplo, são proibidas.

Para complicar a equação, o Brasil vem registrando um crescente déficit comercial com os EUA, que já foi o principal parceiro do país e hoje representa o 2º principal destino das exportações, atrás da China. Em 2010, o desequilíbrio entre compras e vendas para os norte-americanos subiu 75% – de US$ 4,43 bilhões para quase US$ 7,73bilhões. O Brasil é o 8º destino das exportações dos EUA (Veja tabela acima).

O diretor de relações internacionais e comércio exterior da Fiesp, Ricardo Martins, lembra que há 10 anos, os EUA respondiam por quase um quarto das exportações brasileiras. “Com a valorização do real, o descompasso se agravou e a competição ficou ainda mais difícil”, afirma.
“O Brasil é o único pais entre as 10 maiores economias que não tem nenhum tipo de acordo formal com os Estados Unidos nas áreas de comércio, investimento e tributos"
Eduardo Fonseca,, Ancham
Ele destaca, porém, que a principal reivindicação da indústria brasileira é a renovação por parte do governo dos EUA do Sistema Geral de Preferência (SGP), pelo qual produtos manufaturados de países em desenvolvimento têm acesso privilegiado ao mercado norte-americano. No ano passado, cerca de 10% das exportações brasileiras (US$ 2,12 bilhões) se beneficiaram da isenção tarifária. Já para 2011 não há qualquer previsão, uma vez que o Senado americano não renovou o programa para o Brasil.

“O SGP atinge de madeira à eletro-eletrônicos, passando por plástico, autos, máquinas e equipamentos. Se não for renovado, o déficit comercial poderá ser ainda maior neste ano”, alerta Martins.

De acordo com Marconini, as exportações para os EUA dentro do programa já chegaram a somar US$ 5 bilhões no começo da década passada. “Essas vendas brasileiras não representam 1% das importações americanas, mas todo assunto de comércio exterior está hoje na mão do Congresso dos EUA, que é extremamente protecionista”, afirma.

O professor de relações internacionais da ESPM, Corival Alves do Carmo, lembra que o lobby em defesa dos subsídios é muito forte no congresso americano. E dadas as dificuldades atuais de Obama no Congresso, com os Republicanos dizendo que suas grandes vitórias nas eleições de novembro, os autorizam a exigir cortes maiores no Orçamento, é difícil imaginar que Obama possa tomar qualquer passo que seja interpretado como uma grande concessão ao Brasil. "Entre a política interna e externa, os interesses internos tendem sempre a prevalecer", afirma Carmo.
Ele destaca que a maior parte das exportações para o país é de produtos manufaturados básicos, diferentemente do que ocorre nas vendas para a China. Em 2010, os produtos mais vendidos para os EUA foram óleos, café, pastas químicas, ferro fundido e parte de motores para veículos. “É no mercado americano que o Brasil consegue exportar suas manufaturas, de maior valor agregado, por isso é tão importante", afirma.
Histórico de disputas
O Brasil tem obtido uma sequência de vitórias na OMC contra os Estados Unidos. Dos 14 contenciosos dos quais já participou, o governo brasileiro obteve seis vitórias definitivas e uma preliminar. Os demais casos foram suspensos ou encerrados por meio de acordo ou pela própria queda da prática questionada.

A mais recente vitória brasileira foi no caso do das taxas de antidumping aplicadas pelos EUA ao suco de laranja, em fevereiro deste ano. A OMC considerou ilegal a prática conhecida como “zeramento” (zeroing). Segundo o Itamaraty, a fórmula usada para sobretaxar o produto brasileiro desconsidera alguns negócios com preço maior que o de mercado, o que descaracterizaria o dumping. O caso ainda está em fase de apelação e é o único contencioso em tramitação hoje contra os EUA na organização mundial. “Eles deverão esticar o caso o máximo que puderem”, acredita Martins.
“O Brasil tem mantido a tradição de não adotar uma posição mais intransigente até mesmo para evitar alguma chance de retaliação, mas tem usado as vitórias na OMC como elemento de pressão com os EUA”
Corival Alves do Carmo, ESPM
No imbróglio mais famoso entre os dois países, a OMC autorizou o Brasil em 2009 a retaliar os EUA em US$ 829 milhões em razão dos subsídios concedidos aos produtores de algodão. Isso seria feito por meio da elevação de tarifas de importação e quebra de patentes. Mas o Brasil decidiu suspender a aplicação da medida por dois anos, ainda que não exista qualquer sinal de "retirada efetiva" dos subsídios declarados ilegais.

“O Brasil tem mantido a tradição de não adotar uma posição mais intransigente até mesmo para evitar alguma chance de retaliação, mas tem usado as vitórias na OMC como elemento de pressão com os EUA”, afirma Corival.

A vitória do Brasil no caso do algodão já gerou alguns avanços. Foi criado um fundo de apoio a programas que beneficiem a cotonicultura nacional, no valor de US$ 147,3 milhões anuais, patrocinado pelos EUA. O governo norte-americano também aceitou dar sinal verde a uma regulamentação que permita exportações de carne “in natura”, começando pela carne suína, mas as licenças sanitárias ainda não foram concedidas.

“Hoje só podemos vender carne processada. A liberação da carne suína está em discussão há um ano e até agora não se concretizou”, afirma Carlos Sperotto, da comissão nacional de relações internacionais da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Não queremos competir com os Estados Unidos. Num cenário de fome mundial, as fontes produtores deveriam trabalhar juntas para atender as demandas mundiais”.

Preço do álcool sobe em São Paulo (Foto: Paulo Piza/G1)Etanol que abastece grande parte da frota brasileira sofre restrição nos EUA (Foto: Paulo Piza/G1)

Outra tema agrícola de discórdia é o do subsídio americano de US$ 0,45 por galão à produção de etanol e a sobretaxa de US$ 0,54 por galão imposta ao produto brasileiro pelo Senado dos EUA. O governo brasileiro vem cobrando a substituição do milho como principal matéria-prima do etanol fabricado nos EUA, mas o assunto deve ficar de fora da pauta de Dilma e Obama, ainda mais por que o Brasil não tem dado conta sequer de suprir o mercado interno com etanol.
Acordos bilaterais
Temas específicos do comércio bilateral não deverão ser tratados diretamente no encontro entre Dilma e Obama. “Se as discussões se centrarem em torno dos contenciosos, a visita tende a ser um fracasso. Acredito que o principal objetivo da visita seja melhorar o clima da relação comercial e diminuir a tensão entre os dois países”, afirma Corival.

De mais concreto, espera-se a assinatura de um tratado de cooperação econômica e comercial (Teca, na sigla em inglês), criando um sistema de consultas permanente para que as barreiras e obstáculos burocráticos ao comércio e aos investimentos nos dois países sejam discutidos e resolvidos.

Para facilitar os investimentos, os dois presidentes também devem tratar do fim da bitributação sobre lucros e royalties. É do interesse dos países também aumentar o número de voos entre o Brasil e os Estados Unidos. Da mesma maneira que ambos os países já se posicionaram contra a desvalorização da moeda chinesa, pode haver também uma posição de convergência sobre a retomada das negociações da rodada Doha, para liberalização do comércio.
Algodão (Foto: Reprodução/Globo Rural)Algodão motivou disputa na OMC (Foto: Reprodução/Globo Rural)
“A conversa deveria ser no sentido de ‘vamos trabalhar juntos’, com o Brasil oferecendo cortes nas suas tarifas de importação, e os Estados Unidos pressionando a China e a Índia a abrirem mão dos seus subsídios agrícolas.”

Para Fonseca, da Ancham, casos pontuais do comércio bilateral só deverão ser de fato discutidos na visita que Dilma fará a Washington, em junho.

Ele ressalta, porém, que a presença de empresários e dos secretários de Energia e Comércio na delegação de Obama, demonstra o interessado dos EUA em oportunidades da área de petróleo, infraestrutura e energia renovável.

“É do interesse dos Estados Unidos estabelecer com o Brasil uma parceria estratégica do ponto de vista de energia. Como se não bastasse a tensão nos países árabes, é muito mais fácil importar petróleo do Brasil do que do Oriente Médio”, diz.

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